Poema de Fernando Pessoa
Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que
sinceridade falo.
Sou variamente outro do que um eu que não sei se
existe (se é esses outros)...
Sinto crenças que não tenho.
Enlevam-me ânsias que repudio.
A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente
me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha,
nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo.
Sou como um quarto com inúmeros espelhos
fantásticos que torcem para reflexões falsas
uma única anterior realidade que não está em
nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore (?) e até a
flor, eu sinto-me vários seres.
Sinto-me viver vidas alheias, em mim,
incompletamente,
como se o meu ser participasse de todos os
homens, incompletamente de cada (?),
por uma suma de não-eus sintetizados num eu
postiço."
Fernando Pessoa